segunda-feira, 22 de julho de 2019
(aMOR)TE da cachorra vaca
(aMOR)TE da cachorra vaca
Você latia e pulava no colo de todo mundo toda vez que qualquer pessoa chegasse em casa, não importava quem, era como se fosse oi gente, to aqui. Durante quase 17 anos essa polemica. Era alguém chegar em casa que você fazia isso. Amou e teve ciumes de quem fosse que passasse muito tempo no quarto, era chegasse de manha e a porta estivesse fechada e ela queria entrar, e se não entrasse fazia graça, cagava pra fora do jornal, mordia o pé do sofá, minha mãe gritava lá da cozinha " mel sua vaca, some da minha frente" e a gente já sabia que tinha relação com merda ou com você pulando a janela, bom, para quem não sabe, sua juventude canina foi de pular a janela de medo, da minha mãe ou da furadeira, na verdade não importa, o que importa mesmo é que era a janela do segundo andar.
Um dia você parou de latir e cumprimentar as pessoas, era as vezes um cheirinho para cá, uma olhada pra la, e eu de alguma forma já sabia . Outro dia você jã não enxergava muito bem e nem escutava direito, mas ainda assim a gente gritava: "alguém tira a mel do banheiro que ela ta bebendo água do box", acho que ela bebia essa água porque bebia nossa vida que era lavada todo dia no chuveiro, entre angustias e amores,entre sonhos e revoltas. Outro dia não teve jeito, a gente teve que levar ela no veterinário, popular claro, sabe esses de universidade...barato, o medico demorou metade de um dia para dizer o que eu já sabia, que ela tinha câncer e que eu teria que gastar o que eu não tinha para tirar o que para mim era uma bola de gude na sua tetinha, essa bola virou um limão que cheirava azedo e depois uma bola de sinuca e foi ai que a Juliana me indicou a doutora Jessica, pensei comigo numa arrogância que dizem ser dos Arianos, mas na verdade é minha mesmo, Doutora uma porra, não tem Doutorado, e o melhor para mel e pior(ou melhor pra minha arrogância) ela tinha ou estava fazendo, e nunca ligou por eu não a chamar de Doutora Jessica e sim de Jessica, vai ver é isso, quem tem títulos demostra na prática e não na arrogância( toma essa trouxa- arrogante) já fui sabendo que não podia pagar e paguei, paguei tudo que eu não tinha porque era você mel, bibo, minha filha, minha mãe, minha irmã, minha cuidadora, porque era ela quem cuidava da gente e não a gente dela. Mesmo depois da cirurgia ela tinha a mesma mania de anos de enquanto eu estava sentado no quarto, lá da sala entre a mesa do computador ela me olhava e ficava la por horas, eu escrevia, soprava horas de harmônica, lia e ela ficava la submersa no olhar, perplexa com o tempo que eu gastava em fazer um milhão de coisas e ela num único ato, observar. Eu tinha mania de inventar histórias para todo mundo, sobretudo para o Gustavo, meu sobrinho, sobre você ser uma cachorra agente secreta, ex membro da KGB e veterana da segunda guerra mundial, ganhadora de medalhas de honras pela URSS, premio Lenin e os caraio e que você estava em casa apenas para ser espiã e não ser encontrada e quando a gente dormia, você realizava algumas missões secretas.Quando a gente recebeu os exames pós cirurgia eu só queria saber o tempo, mas mesmo a Rebeca, recepcionista da clinica sabendo mais o menos nunca me disse, nem a Jessica, mas entre a troca de olhares a gente já sabia, pelo trato humanizado todo mundo sabia, inclusive eu, mas la no fundo não acreditava. Um dia você não levantou mais, não observava mais, não fazia mais suas missões secretas, não bebia mais água do box nem qualquer outra coisa, aquele olhar profundo já era um grande olhar cinzento e negro como o universo. Talvez tenha sido por isso que você chorava e a gente fazia carinho até você dormir, como era há 17 anos atras quando você chegou e dormia numa caixa de papelão e dormia no nosso colo. A água do box ainda está lá, a janela, o buraco no sofá que você cavou para dormir dentro, só você que não. Você virou alimento para vida, pó-poesia da minha vida e poeira estelar.
Evóe bibinho, melzinha, a gente secreta da URSS.Até outro dia.
Ps: a Mel morreu 1/7/19 e foi cremada na Pedra Roxa, lugar de celebração de todo bairro.
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