domingo, 26 de junho de 2011

à nós!




"Fui assassinado.
Morri cem vezes
e cem vezes renasci
sob os golpes do açoite.

Meus olhos em sangue
testemunharam
a dança dos algozes
em torno do meu cadáver.
Tornei-me mineral
memória da dor.
Para sobreviver,
recolhi das chagas do corpo
a lua vermelha  de minha crença,
no meu sangue amanhecendo.

Em cinco séculos
reconstruí minha esperança.
A faca do verso feriu-me a boca
e com ela entreguei-me à tarefa de renascer.

Fui poeta
do povo da noite
como um grito de metal fundido.

Fui poeta
como uma arma
para sobreviver
                           e sobrevivi.
Companheira,
se alguém perguntar por mim:
sou o poeta que busca
converter a noite em semente,
o poeta que se alimenta
do teu amor de vigília
                   e silêncio
e bebeu no próprio sangue
o ódio dos opressores.

 Porque sou o poeta
dos mortos assassinados,
dos eletrocutados, dos “suicidas”,
dos “enforcados” e “atropelados”,
dos que “tentaram fugir”,
dos enlouquecidos.

Sou o poeta
dos torturados,
dos “desaparecidos”,
dos atirados ao mar,
sou os olhos atentos
sobre o crime.

Companheira,
virão perguntar por mim.
Recorda o primeiro poema
que lhe deixei entre os dedos
e dize a eles
como quem acende fogueiras
num país ainda em sombras:
meu ofício sobre a terra
é ressuscitar os mortos
e apontar a cara dos assassinos.
Porque a noite não anoitece sozinha.
Há mãos armadas de açoite
retalhando em pedaços
o fogo do sol
e o corpo dos lutadores.

Venho falar
pela boca de meus mortos.
Sou poeta-testemunha,
poeta da geração de sonho
                                      e sangue
sobre as ruas de meu país.

Sobreviveremos

 

 

Perdemos a noção do tempo.
A luz nos vem da última lâmpada,
coada pela multidão de sombras.
A própria voz dos companheiros tarda,
 
como se viesse de muito longe,
como se a sombra lhe roubasse o corte.
Nessa noite parada sobrevivemos.
Ficou-nos a palavra, embora reprimida.
 
Mas o murmúrio denuncia que a vitória
não foi completa. Dobra o silêncio
e envia o abraço de alguém
cujo rosto nunca vimos e, todavia, amamos.
 
Nessa noite parada sobrevivemos.
Sobreviveremos.
Ficou-nos a crença, de restocujo rosto nunca vimos e, todavia, amamos., inestinguível,
na manhã proibida."
 Nessa noite parada sobrevivemos.
Sobreviveremos.
Ficou-nos a crença, de resto, inestinguível,
na manhã proibida."
 ( PEDRO TIERRA, O PRÓLOGO)

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